Casamento: Entre Mortos e Feridos Salvam-se Todos


Cheguei em casa de madrugada, cheirando a cerveja barata e hálito de perfume. Ou melhor, com hálito de cerveja barata e cheiro de perfume. Não sei bem, mas acho que o barato era o perfume. Ou os dois. Enfim. 
Como tenho um profundo conhecimento em táticas de guerra, e as uso para sobreviver no casamento, estrategicamente parti para o ataque:
- Hoje vou te dizer umas verdades...
Falei sem olhar nos olhos verdes (acho que estavam vermelhos, pela hora) e entrei bruscamente. Sem me virar, ouvi com certa ironia:
- Fala, se tu é macho...
Áh, que erro básico! Desconfiou da minha masculinidade meteu-se em encrenca na certa. Nessas situações, eu rodo a baiana, desço dos tamancos ou, se ainda não fui claro, solto a franga. Ela pediu e vai ter, pensei, e, ainda sem me virar, disse lentamente:
- Dois nove nove sete nove dois quatro cinco oito.
- Quê? - Bradou o inimigo, franzindo as rugas que não tem, logo acima dos olhos verdes. Virei-me, girando na ponta dos pés, com graça, masculinidade e leveza, e repeti:
- Dois nove nove sete nove dois quatro cinco oito.
- Quê? - Disse de novo, seriamente abalada psicologicamente.



A primeira batalha estava prestes a ser ganha. Enfim, o triunfo do bem, o triunfo da liberdade, sobre o mal, sobre a prisão, estava prestes a acontecer. Faltavam detalhes.
- Por segundo - concluí de forma elegante.
- QUÊ? - Ouvi pela terceira vez, provavelmente junto com o bairro inteiro. E, num arremate luxuoso, como o auxílio de um pandeiro num bom samba de raíz, exterminei:
- Metros por segundo, querida, metros por segundo.
Fiquei com aquele meu sorriso em um canto só da boca, parado por alguns instantes. A glória dignifica o homem. A vitória tem um sabor especial, comparável a chocolate belga meio amargo. Fiquei saboreando aqueles momentos de absoluta supremacia, de regozijo pleno, querendo que aqueles instantes fossem eternos, mas, infelizmente, o inimigo tem também suas armas secretas, seus contra-ataques, e ouvi, em um tom completamente diferente, maquiadamente carinhoso, acabando com meu verdadeiro nirvana:
- Calma, meu amor. Essa fase vai passar. A medicina e a psicanálise evoluíram muito nos últimos tempos.
Disse e passou a mão nos meus cabelos, encostando sua testa na minha, inundando - em um golpe baixo e condenável, verdadeiro crime de guerra - o verde dos olhos com lágrimas de crocodilo, a centímetros da minha sobrancelha arqueada em forma de interrogação.
Reagi e expliquei rapidamente:
- Luz. A velocidade da luz. É uma verdade absoluta, incontestável. Duzentos e noventa e nove mil, setecentos e noventa e dois, quatrocentos e cinquenta e oito metros por segundo.
Fiquei ainda repetindo, com os braços abertos como se fosse óbvio, mas de nada adiantou. Ela exterminou com o meu sorriso em um lado só da boca. As mulheres e suas incompreensões. Isso daria uma crônica.
Perdi a batalha mas não perdi a guerra.
(Gosto quando escrevo coisas originais como a frase acima).

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