Ontem conversava com uma colega que estuda literatura e faz oficina de crônica, e ela contou que mente em seus textos. Seu professor mente também. Claro, a pergunta que não quer calar: Todos os cronistas mentem? Sabe-se (e é óbvio até pelo que se lê neste humilde blog) que não sou um cronista. Faço, com algumas poucas virtudes, contos, mas crônicas não. Quando ela falou sobre a mentira, aquilo me caiu como um pastel de rodoviária: meio estranho. Ensino a meu filho que uma das piores coisas que um homem possa fazer é mentir. Procuro, dentro de uma convivência sem muitas surpresas, não usar desta, digamos, artimanha, no meu dia-a-dia. Me julgo honesto e defendo o que penso ser verdade com unhas e dentes. Claro que nos meus contos isso não existe. Mentira não existe na ficção. Lá, nos textos, deixo minha imaginação criar um mundo todo especial em que as regras são mutáveis e inconstantes. Mas, sei lá, talvez por ingenuidade, em crônica pensei que não fosse assim, que fosse a verdade, por vezes fantasiadas, mas a verdade que recheasse os textos.
Pois justo neste dia, com a cabeça cheia de idéias novas e coisa e tal, não é que passa frente a meu carro, nada mais nada menos, que a Maitê Proença (para meus tão seletos e bem-vindos leitores lusitanos, uma das mais famosas atrizes brasileiras, autora dos livros Entre ossos e a escrita e Uma vida inventada) . Linda, como sempre, usando uma roupa leve - linho branco - e os cabelos soltos. Nos pés, pequenos e com dedos proporcionais ao tamanho, uma sandália havaianas comum. Quando a vi, freei rapidamente mas devo ter demorado um décimo de segundo a mais por ter ficado admirando sua beleza e pimba!, encostei o carro em sua perna. Saí apressado pronto a socorrê-la, levá-la a um hospital ou qualquer coisa assim mas ela, com um sorriso que iluminou o bairro todo, declamou (sim, ela não fala, ela declama) "Não precisa, estou bem. Talvez um café para compensar o susto."
Um, dois, tres, quatro... imaginem uns 30 segundos e eu parado no meio da rua, trancando o trânsito, segurando a Maitê Proença pelo braço, ela me convidando pra tomar café e eu sem dizer nada, sem me mexer. Fiquei mudo e parado como uma estátua. Café? O que responder? Pensei em dizer que era casado, bem casado, muito (por garantia, mais uma vez) muito bem casado mesmo. Ou que a lei seca me impedia de beber e aí caiu a ficha: ela não perguntou nada, ela insinuou "talvez um café... " Depois dos maiores segundos da história, olhei para aqueles olhos verdes e disse sem pestanejar: "No seu apartamento ou no meu?" Não... nada disso, nem moro em apartamento. Bem, vamos lá: Olhei para aqueles olhos verdes e disse sem pestanejar: " É o mínimo, um Mocaccino". Todos buzinavam - claro, não sabiam quem estava ali comigo - mas eu não escutava nada. Minha audição agora era direcionada. Só ouviria o que ela declamasse. E ela declamou: "Ótimo". Foi o ótimo mais lindo que já ouvi. Na verdade, foi ótimo. Corri e abri a porta do carro pra ela entrar. Pulei pro outro lado e saí sem nenhuma barberagem. Cafeteria, preciso de uma cafeteria. Lembrava de tudo menos de onde ficava alguma. Ela parada ao meu lado, ainda iluminando tudo com o sorriso. Tentei sorrir também, precisava dizer algo. Já mostrei que entendia de café. Tinha que falar outra coisa, qualquer coisa. E falei: "Cafeteria!" Não, não era isso que eu deveria dizer. Isso é o que eu procurava. De novo: "Eu não vou fazer nada de errado!" NÃO! O que ela vai pensar? Que sou um maluco tarado? Remendei correndo: "Para pedir o café". Virei pra frente. Não olhei mais, envergonhado. Os olhos verdes eram como pontas alfinetando meu juízo já não muito forte. Alguém erra pra pedir café? Por exemplo, o cara chega na cafeteria e pede: me dá um par de esqui e uma melancia quadrada, das japonesas? Acho que não. Imaginei que ela saltaria fora na próxima sinaleira, mas, além de não fazer, ela disse: "Pode ser um restaurante". Meu mundo caiu. Aquilo era um convite pra jantar. Maitê Proença no meu carro de roupas leves e brancas me convidando pra jantar. E eu - não custa repetir - casado e bem casado. O que fazer? Depois do jantar com vinho, algum carménère chileno, provavelmente salmão defumado e alcaparras, o que poderia acontecer? A verve me aniquilou, mas eu tinha que responder. Agora existia o convite. Recusaria com medo do depois? Nada disso, sou um homem e não há nada de ruim em jantar com a , áhh, com a Maitê. Aceitei. Restaurante, restaurante. Preciso de um. E apareceu: meia luz, com um ambiente tropical de bom gosto, mesas baixinhas e luz amarelada em cima, estacionamento fácil, atendimento impecável. Antes de entrarmos, pedi licença e liguei pra casa: "Vou jantar com a Maitê, talvez demore" disse e ouvi de volta, sem pergunta alguma: "Não tem pressa, esta noite preciso mesmo ficar sozinha. Bom jantar e até amanhã. Beijo na Maitê". Não dei tchau. O que era aquilo? Fiquei com o telefone erguido olhando minha atropelada esperando frente ao restaurante, com o maitre também sorrindo ao seu lado.
Vou resumir: o peixe, o vinho, a música que acariciava nossos ouvidos, o clima, enfim, estava tudo perfeito. Passamos, Maitê e eu, a noite inteira conversando sobre literatura e poesia - ela é uma excepcional conhecedora das letras - e marcamos mais alguns encontros para breve.
Sobre mentir, não concordo. Continuo achando uma coisa horrorosa, feia e desnecessária. Afinal...
12 comentários:
:-)
Eu, como você, detesto mentir.
Maitê? linda, adorei os dois livros dela, escreve do jeito que gosto de ler... bem recebi um email dela outro dia, numa visita ao meu blog me deu uma dica que venho tentado aplicar...
Pois é...hehehehehe
Abraço Beto
Silvares, acredito que na parte prática, as drogas sejam responsável por grande parte do mal que anda por aí, e na parte, digamos, espiuritual, seja a mentira. Essas duas parceiras são campeãs em destruição.
Robson, vou reclamar pra ela, sou meio ciumento...
Fora mentira e viva a fantasia!(que enfim... é livre)
Li o Blog e fui direto na Saraiva comprar o livro da Maitê, que fazia tempo estava na minha lista...
Angela
hahahahahaha quem ficou com ciúmes fui eu...traidora!
Bom, na verdade eu detesto ela como atriz. E que droga, eu já estava acreditando na história... também achei que crônicas eram masi verdadeiras...enfim...que loucura. Gostei do texto.
Abraços e valeu a visita!
Fábio.
Eu gosto dela como cronista... mas creio que todos escrevem mentiras... menos eu, que sou um poço de verdade. um poço raso, mas poço
OI Cruela. Bom saber que escreves verdades. Às vezes o difícil é saber o que não é mentira... Obrigado pela visita.
A mentira só faz mal quando quer mal. Não?
Sabe que não sei? Talvez até por não mentir, nem nas crônicas...
he-
muito legal o texto!!
Obrigado Mariana.
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