Eu e meus fantasmas


Eu não acredito em fantasmas, sei que não existem e ponto final. Mas ontem, quando caminhava por uma rua deserta sob uma chuva fina e algum nevoeiro, senti uma presença me perseguindo. Virava, olhava e não via ninguém. Andava mais um pouco e dava nova espiada: mesma coisa. Fiquei, confesso, meio assustado e confuso: como ter medo do que não existe e ponto final? Era incoerente e estúpido, mas meu medo parece que não havia sido avisado e não se importava nem um pouco.

Caminhei um pouco mais e - como sou valente - resolvi esperar quem - ou sei lá o que - gerava aquela sensação. E não foi em vão. Alguns segundos mais tarde, saiu sorrateiramente por de trás da neblina e da garoa, uma figura estranha e soturna. Pelo aspecto e pelas roupas era do meio do século passado, um pouco depois, talvez, década de 70. Fiquei congelado pelo medo e só ouvia minha respiração sair de meu corpo e bater em retirada. Pelo menos é o que me parecia. A figura se aproximou lentamente, como se me estudasse, ficando próximo o suficiente para que eu visse seus olhos: negros, pesados, agoniados e curiosos a me fitar, com uma mistura de raiva e compaixão.  Tentei, nem lembro bem, falar algo e não consegui. Percebi que por vezes ele desviava os olhos para um jornal que eu carregava embaixo do braço (sim, sou antiquado, leio jornais impressos). Procurei fazer algum contato oferecendo o diário. Senti que esse era o interesse. Ele fez um sinal com a cabeça e eu li uma manchete: "Lula acalma investidores e diz a Bush resolver a crise". Meu amigo estranho sacudiu a cabeleira incomodado. Expliquei que o Lula fora eleito pela segunda vez e era um bom presidente. Claro que lembrei também que existia o Inácio (repito: creio que existam dois governos, o do Lula, aquele que foi eleito, e o do Inácio, um outro que aparece seguidamente e é meio estranho, com uns amigos esquisitos e objetivos não muito claros) e aí o caldo entornava. Ele ficava sereno e curioso, a espera de mais informações. Falei da política internacional, com chances de o Brasil assumir uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da Onu, da economia do governo Lula e da redução da pobreza; mas também do mensalão e do "não sei de nada" do Inácio. Tudo coisas antigas na república mas ainda atravessadas na minha garganta. Ele pareceu zangar-se e apontou para o jornal com cara de espanto. Olhei e o que incomodava era uma foto do Michael Jackson branco. Pensei um pouco e entendi:
- Vitiligo, falei, ele disse que é vitiligo.
Notei que ficou ainda mais impaciente. Continuou olhando o jornal e apontou para uma foto do Obama.
-Será o próximo - se tudo der certo para todos nós - presidente dos Estados Unidos.
Ele arregalou os olhos assustado e deu-me as costas saindo lentamente ao encontro do esbranquiçado. Antes de virar-se, notei um quase sorriso de aprovação. Fiquei olhando em silêncio a figura indo até que Bee Gees: tocou o meu celular. Ele parou e ficou encarando a espera de algo. O arranjo sintético da melodia do inesquecível grupo tomou conta de tudo. Abri o aparelho:
- Alô? - ouvi qualquer coisa e continuei:
- Estou indo agora, me espera, já estou no bairro Esperança - disse, já percebendo o balançar horizontal da cabeça da figura, antes de sumir em definitivo. 

(Fiquei parado pensando no que realmente tinha acontecido. Afinal, eu havia mostrado que o mundo evoluíra, que supostamente havíamos vencido preconceitos e racismos, que éramos mais felizes, que até a mentira era permitida e aceita, que tínhamos liberdade para mudarmos radicalmente, que a tecnologia havia avançado muito... ?)



11 comentários:

Anônimo disse...

yeah! its much better,

Anônimo disse...

olá.

garoto, esses seus fantasmas são muito bons.


gostei mesmo.


sorte e luz, porque enquanto você escreve o mundo responde.

Angela disse...

Adorei o texto. Que bom poder contar com esses traços "antiquados" - tipo ler jornal impresso, escrever, se importar com os fatos a nossa volta... Teu blog tem estado cada vez melhor.
bj
Angela

Luiz Gonzaga B. Jr. disse...

Destes foi um nó na cabeça do pobre fantasma desavisado.
Belo fantasma,cara.

Cara de 30 disse...

É verdade o que o Luiz escreveu aí em cima... Você acabou com a assombração explicando pra ele essas coisas inexplicáveis do mundo moderno. Isso não se faz, hein?! Coitado do fantasma...

Abraço!

Anônimo disse...

Olá.

Obrigado.

Também quero te dizer que nada mais natural que isso que fez, primeiro obrigado pela sua presença em meu blogue, segundo, eu acho que você escreve muito bem e certamente vou adquirir um exemplar de seu livro pronto, e parabéns também.

sinta-se em casa em meu blogue, e mais uma vez obrigado, tenho certeza que você tem idéias para contar, disso eu não duvido, e digo, o teu blogue sempre me deixou curioso, e agora vejo que minhas suspeitas se confirmam, suspeitava que você escrevia profissionalmente devido a sua qualidade.

quero te dizer que levo meu blogue com seriedade, é o espaço onde posso escrever o que penso e ouvir os outros, tenho certeza que ainda poderemos trocar livros e mais idéias.

e mais uma vez parabéns pelo teu blogue, pela tua educação e principalmente, por ser uma pessoa que escreve e também responde.

sorte e luz.

Robson Schneider disse...

Senhor Beto Canales, me sinto um enorme cara de pau a comentar em seu blog, embora eu não tenha a pretensão de ser um escritor...mas vc é e um dos bons!!
Grande abraço meu querido amigo!

O texto... sem comentários hehehehe

Jana Lauxen disse...

E o fantasma achando que morrer era a coisa mais incrível que poderia acontecer a um homem.
Nã, nã, nã.
Tem o Micheal , tem o Inácio.
Ai, ai...

Beto Canales disse...

:)

Felipe Lima disse...

Eu ando adorando essas excursões por sua cabeça desamarrada. Mesmo.

Anônimo disse...

O Michael devia ter parado de lixar a cara em 1987...mas isso sou eu para aqui a dizer...;-)