Uma coisa é certa nesta vida: não devemos rir ou debochar das infelicidades alheias. Principalmente se forem deficiências congênitas. Devemos respeitar e entender aqueles que são diferentes, mas, como sempre, tudo tem limite.
Só pode ter sido sacanagem. Ontem entrei em um shopping por um acesso secundário que passa pelo meio das Lojas Americanas. Estava eu lá, desviando de calcinhas e panelas quando escuto aquele som característico do sistema de auto-falantes "bling-blong" para chamar a atenção. E chamou. Depois, uma voz, não tenho como representar aqui, estridente, eu diria. Mais que isso. Esganiçada, terrivelmente fina, começa a anunciar algumas ofertas. Acho que exageraram no volume e fiquei ouvindo. Comecei a rir. Simplesmente não resisti. A moça dizia "não percam clientes, façam seus cartões e saiam comprando". Não bastasse a voz mais estranha e feia que já ouvi, a moça ainda anuncia uma frase dessas. Pensei em fazer logo o cartão e "sair" comprando, sei lá, o que viesse pela frente, absorventes, fraldas, camisas, brinquedos, chocolates, o que fosse.
O resultado não poderia ser diferente, e tive um "ataque de riso". Aconteceu comigo outras vezes, uma em um ônibus e outra em um curso para ser pai, mas desta vez, dentro da loja, foi cruel. A moça falava e eu imaginava as velhinhas que ousassem ficar frente as meias luppo voando pelo chão, afinal, eu empurraria sem dó. Precisava sair comprando. A cena foi ridícula. Eu parado no meio da loja - com aquela voz terrível berrando nos microfones - em gargalhadas incontidas. Mas, conforme a lei, se tem uma chance de ficar pior, ficará.
A voz, novamente ela, disse com todos os fonemas: "oferta só pra você, cliente querido, sabão em pó três quilos por 4,99". Olhei fixamente para a pilha: lá estavam eles, todos meticulosamente enfileirados, centenas de Omos a minha espera. Desviei os olhos para as velhinhas e elas começavam a procurar a ilha de caixas. Pulei na frente de todas e, bloqueando o caminho, abri os braços e bradei:
- Vocês não ouviram? Essa oferta é só para mim, o cliente querido. Vocês não tem esse direito. Sumam, carcarás. Já fiz o meu cartão e vou "sair" comprando.
Sabe quando temos que nos dobrar pelo riso? Pois eu parecia um U ao contrário. Doía a barriga e comecei a lacrimejar. E pior que o texto da voz horrorosa não terminava, "amaciante por tanto, ferro de passar roupa com vapozirador em super-oferta" e eu lá escutando e concordando: pôxa, com tanto sabão preciso mesmo de amaciantes e um ferro com vaporizador. Não posso sobreviver sem, e rindo, gargalhando, debatendo-me até "bling-blong" novamente e uma cutucada em meu braço. No meio do ambiente sub-aquático que eu enxergava, uma senhora de cabelos brancos, curvada e com cara de que nunca fez nada de errado, disse:
- Tudo bem meu filho? - Eu respondi imediatamente:
- Se a senhora não comprou meu sabão, tudo. - Não, mentira. Na verdade, olhei para ela e reconheci. Era uma das mais rebeldes querendo chegar na minha oferta, uma verdadeira líder subversiva. Não à toa separavam os clientes em queridos e não-queridos. Dei um empurrão na velha que derrubou a estante de cremes Nívea. Vi seus cabelos quase azuis serem tomados pelo vermelho vivo. Venci. Derrotei a líder deles. O doce sabor da vitória. Ou foi isso ou eu disse "sim, vovó, tudo bem. Lembrei de uma piada, desculpa".
Mas ainda recordo dos cremes caindo por cima daquela degenerada. Chutei alguns que batiam no seu rosto enrugado. Os seguranças até me ajudaram. A moça esganiçada gritava no auto-falante: "Clientes queridos, ajudem a matar a velha e depois aproveitem as ofertas do creme Nívea no estado em que estiverem".
Saí comprando eles também. Foram bem em conta.
Alguém tem interesse em adquirir algumas caixas de sabão?
12 comentários:
...Conseguiste, sim, representar a voz da 'desinfeliz'.
...Deve ter sido mesmo algo como uma agulha nos tímpanos...
Terrível.
Mas fiquei pensando no teatro do absurdo e imaginei:
quem teria escrito essa pauta? Gugu? Ana M.Praga?
Não deve ter sido redigida por qualquer-quem de 'propaganda ou jornalismo' isto é fato.
Agora pior mesmo, mesmo, seria ela ter dito em português 'telemaketingnes' (adorei isso)
-vamos estar fazendo o cartão...
e vocês vão poder estar saindo e comprando....
Teria sido trágico ou não?
Isto é o não uma espécie de teatro do absurdo?
Fazer o quê?
Rir, oras....
Que delírio, enh? Sabão em pó em ofertão, voz estridente (consegui ouvir) e risos, muitos risos. Isso é que é "ficar fora da casinha". E, juro, eu queria um dia ter um ataque de riso assim, bem no meio de todo mundo!
Beijão,
Carpe Diem!!!
Beto,
O comércio é hilário. Li seu texto e lembrei de algo que vi e ouvi quando fazia compras de natal. Numa dessas lojas de tecido - aqui no centro de João Pessoa, tinha um homem com uma caixa de som anunciando as ofertas e de repente ele falou:
" Você que está aí sem dinheiro, só com um cartão de crédito no bolso, venha comprar um lençol."
Fiquei imaginando quem seria essa pessoa que leva apenas o cartão de crédito no bolso. E de que serveria um lençol?
hehehehe... Crises de riso são legais, Beto. O problema é onde as temos... :)
Agora... Você vai manter o preço do sabão ou vai querer ganhar um extra? :P
Abraço.
IUSHAISIA só quero ver na próxima vez que eu ouvir um "blig-blog" :D
Beto, tem certeza que ninguém mais caiu na gargalhada com a voz da moça?! Que mente fértil hein?! haha
Adorei! ;D
é isso dá comer cogumelo e ir fazer compras... eh eh
....
Sério, juro que nunca mais entro nas Americanas.
bjo
hahahahaha, muito bom beto, hahahaha, ai, ai, bom demais.
sorte e luz.
Meu!!! Vo falar o quê?
Olá, Beto
A voz devia ser terrível, para descrevê-la dessa maneira...rsrsr
E O sabão?
Ótimo!
haiuhauihuiahuihauihauiha
to lacrimejando de tanto rir.
vc é foda.
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