Um profundo buraco. Assim fica às vezes meu peito. Diz, quem estudou, que o nome disso é angústia. Pois sou angustiado, então, e não gosto de ser. Assim, quanto mais terra para fora da cova, mais agonia e mais vazio. É um círculo perfeito. Descobri o moto contínuo. Um sentimento sem fim ou, desculpem o joguete de palavras, o fim de alguns sentimentos.
E qual a razão disso? Tantas pequenas coisas incomodam e tantas imensas tomam conta. Colocam-me frente a um espelho estúpido que insiste em refletir-me. Fecho os olhos mas de nada adianta. Está lá a imagem, nítida como minhas maldades, pegajosa como meus pensamentos oblíquos à realidade. Sempre minha ficção causa acontecimentos extraordinários. Sempre as personagens vêm reclamar de algo. E como um deus impiedoso - o nome disso é redundância - sou implacável e coloco a placa "não aceitamos reclamações" em cima da mesa. Fico atrás dela, protegido. Espiando, somente espiando, até darem as costas e voltarem para seus mundos imaginários onde sofrem o que não merecem. Portanto, isso não incomoda; dá prazer, inclusive.
Mas, enfim, qual é a pá que retira tanta e tanta terra? De quem são os braços que a dominam? Resta o mundo não ficcional. Este é mais difícil e não aceita placas sobre a mesa. Pequenas coisas incomodam. As grandes? Essas são irremediáveis. Pelo tamanho da cratera, poderia dizer que tirando a saúde, os desejos, os amores, os aprendizados e o que sobra, o resto vai bem. Melhor dizer assim: vai bem, obrigado! Como uma forma irônica. Mas fico pensando, que hora errada para fazer gracinha. Talvez o problema seja por aí mesmo: o tempo. Será? Esta angústia pode derivar do fato dele não depender dos anos? Às vezes, mesmo com poucos meses, pode-se não tê-lo mais. Sou como todos, só preciso o suficiente para fazer aquilo que quero. Mas isso leva um tempo danado de grande. Maior do que a quantidade que minha carne leva para apodrecer.
Bingo. Aí está o instrumento e a força que cava a terra. A razão de minha angústia.
Ficção. Preciso dela para ser feliz. Lá as carnes são sempre rígidas, como as jovens.
E posso ter uma placa: "Não aceitamos putrefações."
7 comentários:
se aos desabafos de outdoors cabe 'uaus'...Cá estou eu olhando esta bela arte. Para não deixar o meu estilo caótico, vou começar pelo fim...
'...não aceitamos putrefações...'
mas da putrefação vem o adubo da leira que dá flores e frutos de que a fauna se alimenta...É uma cadeia, mesmo...
Mas não é só flores, não...As flores murcham rápido, como o gozo de um segundo infinito do amor...
Ululante é nos indignarmos com a putrefação dos absurdos, mantendo-nos vivos, o bastante, para VIVOS, mesmo em 'angústias', vivermos as absurdidades da vida.
Simples assim?
Uma ova!
Dói prá 'calalu'...
(um certo Sr. Caio inventou essa graça de palavrão delicado de criança-cebolinha na fala dos seus 3 anos...)
Enfim...
É isto.
A mordida do gostoso da maçã, derrama suco dulcíssimo metade na boca, metade na roupa...E dá-se a sujeira e o vazio do suco perdido...
Fendas? Muitas...
Flores? Algumas...
Vamos vivendo sem morrer antes do tempo.
Beijos.
Adorei!
Te mandei por e-mail o meu comentário, mas vou deixar aqui algumas plavras porque é bom de se ler e faz volume. =)
É um dos primeiors textos que leio aqui que não me fala de carros e viagens. O que não é ruim. Mas aqui eu vejo o Beto escritor entrando em diálogo literário. Seja qual for o motivo, refletir sempre é a saída. E você escreve, Beto. Não é material feito para agradar o mercado.
Bjs e muito carinho.
Bem-vindo ao grupo dos 'penso, logo sofro'. Um bando de Sisifos, tarefa incansável de carregar a mesma pedra sempre e sempre, vê-la rolar montanha abaixo e ter que trazer para cima outra vez. Já dizia um amigo escritor: - o mundo é injusto!
Eu completo:
- Vez em quando, é uma merda!
Bjo
Fiquei lembrando de algumas coisas que a Martha Medeiros te falava na entrevista, sobre apenas escrever - o que todo mundo pode fazer - ou escrever com qualidade literária - que exige um talento especial. Tenho acompanhado teus textos e cada um deles revela novas artimanhas, envolvendo o leitor e levando-o a distintos universos, abismos entre o profundo e dolorido até o trivialmente cômico. Só escreve assim, quem pode e não quem quer. Sobre esse texto... gostaria de tê-lo escrito algumas vezes...
O terreno da realidade é fertilmente sedutor. Das prisões, que essa seja a sua, Canales. Pelo menos esse vício não mata, creio.
Lindo post. Daqueles que a gente fica a pensar pensar e que nos toca, a mim, pelo menos, porque sinto coisas parecidas. Muito a dizer, mas hoje estou um pouco calada.
Escreva sempre e sempre!
Beijo grande
carpe diem!!!
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