Bebê mau

O que é ser mau? Matar borboletas torna alguém mau? Pisar em indefesas formigas? Escutar atrás da porta? Espiar a prima ou primo pela fechadura? Roubar milho verde em uma imensa e isolada lavoura? Trancafiar a filha 24 anos em um porão? Torturar alguém? Enganar o povo? Enganar fiéis? Mentir? Proibir o uso de preservativo em um continente assolado pela AIDS? Nascemos maus ou nos tornamos maus?
Tema difícil.
Certamente várias das perguntas acima não pertencem a classe "malvada" para a maioria de nós, mas são, no mínimo, interessantes. Claro que cada pessoa têm seus valores e seus próprios conceitos, que respeito, mas vou tentar expor o meu. Para isso o ideal é não entrar no mérito legal já que "Não existe certo ou errado, existe dentro ou fora da lei" e não é disso que falo. Ressalte-se, também, que não especulo o que para as igrejas seja certo ou não. Portanto, quero analisar sem falar em cadeias ou infernos.
Vou pegar a primeira pergunta mas poderia ser qualquer outra. Uma criacinha inocente, feliz e saltitante, corre atrás de uma borboleta pequenina e, num ato instintivo, tenta capturar o bichinho para mostrar aos pais. Fatalidade. A borboleta acaba morrendo. Isso tornará este doce menino em uma pessoa má? Claro que não, responderemos todos. Mas, a natureza tem dessas coisas, essa borboletinha estava em extinção e em suas asas existia uma substância que resultaria na cura do câncer, poupando a vida de milhões de pessoas. Era a penúltima da espécie. Seu par provavelmente morreu de tristeza horas depois, sem poder procriar. E agora? Uma criança mimada, por um capricho estúpido, é responsável pela não cura e consequentemente a morte de milhões de pessoas. Essa criança é boa?
É incrível, mas falo de relatividade. Albert deve se remexer no caixão a cada instante, por que tudo é relativo. Acredito que se o vizinho do matador de borboletas tivesse um filho que morresse em razão da doença, certamente não consideraria o menino bonzinho. Esse jogo pode ser feito com qualquer uma das perguntas.
Em outra situação, um bebê ao nascer praticamente mutila a própria mãe pelo seu tamanho exagerado. Claro, há alguns anos atrás sem os recursos atuais da medicina, isso deve ter sido coisa normal de acontecer. Mas a jovem e inocente mamãe passa a infância toda contando ao parido que ele era o responsável pela incontinência urinária dela. Bebê mau. Machucou quem lhe dava a vida. Deixou defeituosa aquela que lhe nutria por meses em suas próprias entranhas e continuaria alimentando, provavelmente tornando seus seios flácidos. Sangue e leite, se necessário. Bebê mau, repito. Se usássemos a lei dos homens e das igrejas, prisão em vida e inferno na morte. Ou não? Ou isso é coisa natural e a despreparada mãe é que foi má? Acusar uma criança de fazer isso - se acusou, é por que crê realmente na culpa, mesmo que seja ignorante - é razoável? E as consequências psicológicas que a criança possa vir a ter? Responsabilidade de quem? Sei lá, talvez o cárcere e as chamas sejam mais apropriadas para e mãe. Não?
Relativo. Mas o que pretendo com essas duas histórias é mostrar que o mal não precisa destruir civilizações, matar milhares nem encarcerar por décadas. Ele pode vir em pequenas doses homeopáticas de maneira quase imperceptível, como uma mulher estúpida achacando uma criança e esta mesma criança pisando em um inseto qualquer. Pode não dar em nada, como pode dar em um monstro ou numa catástrofe.
"Bebê mau não vai para o céu e fica de castigo."
Não consegui ficar longe dos dogmas e das leis. Talvez por que eles pioram tudo ainda mais.

8 comentários:

Felipe Lima disse...

Assim, você me ajuda a perder a fé no mundo.

Por que, o que pessoas como eu e você podemos fazer, além de dar uma 'boa educação' aos nossos filhos, transferir valores?

A sensação que eu tenho é que nada é o bastante, jamais será o suficiente para promover mudanças. Significativas, digo.

Saio daqui com uma interrogação na testa, agora. E o coração do tamanho de um ovo.

Luiz Gonzaga B. Jr. disse...

Pra mim, a maldade está na intenção de fazer o que é mau.
Talvez ninguém tenha ensinado para a tua criançã que ela não poderia matar a porcaria daquela borboleta salvadora do vizinho que ele odiava. Nossa, que labirinto.

Biba disse...

Tema muito complexo, Beto! Tentei refletir mas estou tão cansada que gostaria de ler um poema. Mas você gosta de fazer isso com a gente: pinçar um tema polêmico e mandar ver. Vou tentar me recuperar dessa...
Beijo,
Carpe Diem!!!

Douggie Russano' disse...

onde o mundo vai parar. quanta maldade OHHH *-*

Luiz Calcagno disse...

Gostei do tema. Concordo no que se refera à relatividade desses conceitos tão pouco conhecidos. Mas os exemplos foram um pouco levianos. O que é mau e o que é ignorância nisso tudo? O que afasta e o que aproxima esses dois conceitos? Não é o fato de a borboleta conter a cura para o cancer, mas o fato de todos os seres terem direito absoluto a vida. Não? Quem é pior, um homem que mata outro para se defender, ou um que mata um cervo por esporte, que mata um cão porque sim, ou que pisa em uma planta por estar revoltado com qualquer outra coisa? É isso aí... Acho que já deu. Abração

Denise Ravizzoni disse...

Relativo, relativos...

Letícia disse...

Li o seu despejar de opinião, Beto, e senti um nó na garganta porque também não sei o que é ser mau. Eu sou má. Ouço atrás da porta, mas nunca matei borboletas. Essa questão de bondade e maldade não está apenas nos olhos de quem vê. Faz parte de todo um mecanismo ao qual chamamos sociedade. E junto com isso, vem igreja, família, amigos, trabalho e outras pessoas mais como aquele velho que trancou a filha no porão. Eu sou idealista. E ingênua. Acredito na bondade, mas vejo mães fazerem isso que vc citou no texto e vejo pais culparem seus filhos por suas frustrações e vejo também, a igreja culpar todo mundo - menos os padres, é claro. Então, presumo, que todos sejamos culpados pela maldade que assola o mundo. Isso seria assunto para um filme no melhor estilo americano.

Bjos, Editor.

E agradeço. Já propaguei o link do 3:am no afeto.

Thank u.

Éverton Vidal Azevedo disse...

Só acredito num dogma, o amor, como síntese de tudo o que é "plantar bem a si e ao próximo". Também só há uma heresia que é não amar.

Agora eu concordo contigo que "debaixo do sol" tudo é relatividade. Afinal, o que é amar? E o que é não amar? A gente não sabe nada disso além do imediato.

É um caminho, uma jornada onde em querendo fazer o que é bom a gente acaba semeando mais bem que mal na beira da estrada.

Se a gente pudesse ver os resultados eternos de nossa menor ação nem sairíamos do lugar.

Você sempre deixa a gente com pulgas na orelha, isso é muito bom, eu nem sou de comentar muito mas acabo escrevendo aqui o que é pra mim. E isso também é bom.

Abraço.