Resenha 1

A vida que não vivi, livro escrito por Beto Canales, é um retrato de ironias e verdades. O escritor que, modestamente, se diz aprendiz da literatura, percorre toda a moderna idade e traz à tona efeitos que cobrem o leitor de um sentimento bruto de que a vida não pode permanecer às escondidas. O tipo de literatura que o escritor Beto Canales desenvolve em seu trabalho pode e deve ser comparada aos vários escritores contemporâneos que pouco fazem uso de eufemismos e figuras de linguagem e conseguem, na primeira leitura, trazer ao leitor, o que o mundo tanto fala. Que é o começo de uma sociedade baseada em valores corrompidos por toda evolução da qual vivemos.

Beto Canales encara a realidade em textos muito bem desenvolvidos e, literatos poderiam analisar seu trabalho e dizer da genial linearidade dos contos presentes em A vida que não vivi. São contos bem montados, personagens que são detalhados não através de descrições simplistas, mas sim, através do próprio enredo em que a história se desenvolve. Mostrar a cara de quem fala em um conto é um trabalho árduo e Beto Canales faz isso de maneira que um leitor percebe, de antemão, que está lendo um escritor que conhece recursos de criação e ainda exibe seu talento. Como exemplo desse eficaz desenvolver de personagens fortes, o conto Efeito Prisma, recebe o leitor da seguinte forma:

“— Mãos ao alto!

Calma, Parceiro.

O que foi que eu fiz? Sempre fui um cara do bem, e agora fiz isso? Será que enlouqueci? Mãos ao alto! Eu disse realmente isso? E se o coitado não levantasse as mãos? Eu o mataria? Chegou cedo a minha loucura. Só um maluco faz isso. E meu raciocínio é simples: não sou ladrão, portanto, enlouqueci. E se me prendessem? Sei lá, alguém chegasse de surpresa? Já imagino: Javier, preso por assalto! Eu num presídio? A coisa mais inamistosa que faço é explicar que meu nome deve ser pronunciado com erre, Ravier, e não como se escreve, Javier.”

O personagem se questiona, dialoga com quem o lê, passa a existir através de suas questões existenciais. Logo, o escritor desenvolve o texto trazendo não somente o homem arquétipo de uma sociedade violada pelo crime e por muitos tipos de corrupção. Beto Canales traz o homem comum; aquele que freqüenta bares e lê jornais, mães que sofrem silenciosamente por seus filhos que se perdem no caminho das drogas, mulheres simples, de vida pobre, que vendem seu corpo em busca de uma sobrevivência e muitos outros conflitos que geram reações existenciais e irônicas, por assim dizer. Assim como nos livros de Rubem Fonseca, que fazem aflorar nervos por serem tão contagiosos e sedimentados em uma ironia que está presente em cada dia que vivemos, A vida que não vivi gera sentimentos que fazem o leitor ficar certo de que tal mundo não está somente em jornais ou exibido na TV. É aquilo que tentamos não enxergar porque choca e não traz a realidade, tão docemente descrita em livros que a formulam de forma fantástica, baseada em efeitos especiais e personagens heróicos. O escritor Beto Canales não reformula a vida em seu livro. Ele a demonstra. Como fora escrito por Zélia Palmeira em um de seus contos, e aqui eu tomo a liberdade de parafrasear o pensamento da escritora, “Beto Canales não fala; Ele diz!”. E está feito um livro que serve de visão aos que buscam literatura que entretém e reafirma o mundo como sendo um lugar de pessoas de verdade, conflituosas, perfeitas em toda a extensão de suas perversões, e que buscam viver da forma que a vida lhes surge. A vida que não vivi é um livro de verdades.

Letícia Palmeira