Ensaio sobre a cegueira e a espera!


Sexta-feira pouco antes de Começar a Terminar, peça de e com o excelente Antônio Abujamra, texto baseado na obra de Samuel Beckett no Theatro São Pedro, pelo Porto Alegre em Cena (um festival de teatro que ocorre por aqui pela 15ª vez) uma amiga disse que não comentaria nada sobre a peça sem antes saber o que havíamos achado e não deu mais detalhes. Pronto. A expectatica tomou conta de mim. Até então, eu estava tranqüilo sem problema algum. Faltavam poucas horas para o início e depois disso foi um devaneio só. Esta pessoa, muito erudita e assídua freqüentadora de salas e eventos culturais, 
provocou aquilo que chamo de tensão gratuita, uma coisa 
poderosa e com conseqüências inimagináveis. Do que ela falava? Seria bom o espetáculo? Muito bom? O melhor de todos? Ou ruim? Muito Ruim? O pior de todos? Jogariam ovos podres na platéia? Mulheres nuas besuntadas com manteiga light se esfregariam nos homens atônitos? Atores nús e bem dotados pulariam por sobre as poltronas? Tudo que a minha imaginação 
permitisse seria possível nestes momentos de angústia, já que ela se calou em seu conhecimento. Ela tinha a resposta pra tudo mas prefiriu deixar o desvario tomar conta de mim,
 permitindo todas as possibilidades, levando-me as raias do inimaginável,
 esquecendo Beckett e Abujamra. Maldade, pura maldade com um curioso, uma verdadeira desumanidade.
Pois Ensaio sobre a cegueira, com a maravilhosa, linda, magnífica, simpática, iluminada e todos os adjetivos possíveis Juliane Moore, chama a atenção por uma espera. Pelo menos a minha atenção. Claro que o filme todo cinza-azulado se sobressai também por inúmeras qualidades, inclusive pela bela adaptação da obra de Saramago, mas, em síntese, quando os primeiros cegos são trancafiados em um antigo manicômio em quarentena, eles ficam a espera. Não se sabe do que, nem eles mesmos sabem, mas ficam esperando algo. Talvez a cura, a redenção, a adaptação, a comida, enfim, tudo. Eles esperam e enquanto isso acontece o filme. Os conflitos humanos são sintetizados de maneira brilhante em terra de cego, onde só Juliane enxerga. Deixe-se de lado uma certa inverossimilhança que existe já na obra original e tem-se 
um ótimo filme. Nesta espera (desculpem o trocadilho) os fatos acontecem sem esperar: atropelam o público e as personagens sem dó, causando um enorme mau-estar que chega a angustiar, a mesma sensação que senti quando não sabia o que me esperava na noite se sexta-feira.
Normalmente gosto de filmes que me incitam a não comentar cinema, caso do Ensaio, e falar do que eles propõem, conscientemente ou não. Creio que este mero detalhe passe desabercebido do grande público, mas a espera neste caso é cruel e certamente é uma das coisas que incomoda. O final, não "a la Paulo Coelho", é quase feliz. Todos devem voltar a enxergar em meio a um mundo caótico, exceto um já cego que fica  arrasado e Juliane, que sequer deixou de ver e não fica muito feliz também. O ser humano é terrível. É quase desumano. E esperar também.
No Começando a terminar a questão era temporal. No folder falava em 1h05 min. Na primeira noite, visto pela amiga, durou meia hora; na segunda (a que vi) uma hora que pareceram cinco minutos somente. E não tinha mulher besuntada. Mas tinha mulher nua.
Compensou minha tensão gratuita.



7 comentários:

Cara de 30 disse...

Não vi mas li que esse filme é muito bom. Eu prefiro filmes que me façam pensar menos. E prefiro pensar mais quando não estou assistindo a nenhum filme. Questão de gosto e opinião. Admiro que gosta desse estilo de filme, considerado "cabeça". Nada contra.

Gostei tanto do teu espaço que fui comentar em dois posts antigos. Obrigado pela visita e sinta-se à vontade para retornar por lá. Embora meus comentários sobre filmes e livros sejam mais sucintos e suaves...

Abraço.

Cara de 30 disse...

Não vi mas li que esse filme é muito bom. Eu prefiro filmes que me façam pensar menos. E prefiro pensar mais quando não estou assistindo a nenhum filme. Questão de gosto e opinião. Admiro que gosta desse estilo de filme, considerado "cabeça". Nada contra.

Gostei tanto do teu espaço que fui comentar em dois posts antigos. Obrigado pela visita e sinta-se à vontade para retornar por lá. Embora meus comentários sobre filmes e livros sejam mais sucintos e suaves...

Abraço.

Robson Schneider disse...

Beto vou assistir a esse filme essa semana, estou muito curioso, li bastante a respeito,e o tema e dos mais interessantes e todas as possiveis analogias subseqüentes... embora não tenha lido o livro do Saramago.
Seu texto me deixou mais curioso, tambem curto demais a Juliane Moore.
E quanto a terapeuta é "Junguiana"
Abraço

Beto Canales disse...

Na verdade não chega a ser um filme "cabeça", o que ocorre é que por trás da história tem outra ainda melhor, mas vale a pena ver, sem dúvida.

Silvares disse...

Vou aguardar para ver. Julianne Moore é uma das minhas actrizes preferidas.

Robson Schneider disse...

Beto na verdade, como falei em algum outro texto, o blog na verdade potencializou minhas elaborações... E creio que sim,já é um resultado da terapia, mas não quero tirar o foco de que é um processo, falo isso pra mim o tempo todo!
Abraço

Felipe Lima disse...

Vi o filme e Ensaio imediatamente entrou pra minha lista (de tão seleta, curtíssima) de favoritos. Os meus filmes prediletos são aqueles que mudaram a minha vida. Blindness é um deles. Magnífico, pesado, provocatico.