Apenas um verso

Li um verso que ficou como uma pulga dentro do meu cérebro, mexendo-se a cada instante e provocando-me muito. É simples e diz:  As páginas dos livros estão brancas demais!!  O tanto que isso me incomoda é surpreendente. Tudo que fizemos, estamos fazendo e uma boa parte do que vamos fazer está lá, nos livros. Essas palavras alinhadas ali, lado a lado, com seus dois pontos de exclamação no final, são ameaçadoras. Para dissertar com mais conteúdo, admito que essa é a verdade: estão brancas demais. Peguei o primeiro livro que vi na frente, assustado e apressado, abri e folheei: estava tudo como sempre, todos os verbos, adjetivos e substantivos. Cada letrinha escura sobre o papel branco. Todos os sinais e acentos em seus lugares. Até alguns ponto-e-vírgulas se aventuravam meio constrangidos. Mas se elas estão brancas demais e está tudo lá o que estaria acontecendo?
O óbvio: a cegueira. Ela está aumentando. Até agora, não víamos somente nossos atos, nossa barbárie, nossa crueldade. Trato exatamente disso no post O cinema e a vida logo aí abaixo. Não vemos sequer quem nos serve. Chamei isso tudo de cegueira social. Mas, e este é o meu medo,
será que isto está aumentando? Nossa cegueira está chegando aos nossos conhecimentos? Aos nossos arquivos? A nossa cultura? Em nossa arte? As páginas estão brancas demais.
Claro, sei que é somente um verso, e, assim como está, solto, ainda mais suscetível a qualquer interpretação. Pode-se fazer uma verdadeira viagem baseado nisso (e é o que estou fazendo), mas nem por isso deixa de ser assustador. Somente a hipótese já causa arrepios. E se começarmos a observar- são notas pequeninas em rodapés de jornais - sempre há notícias de que se lê cada vez menos, que bibliotecas estão fechando e editoras falind,o apesar de Paulos Coelhos venderem cada vez mais.
Já foi dito que um povo sem passado é um povo sem futuro, e o passado está nos livros. Eu afirmo que a base de civilização também está. O que, afinal, não está? Talvez o bom senso para não enxergarmos as páginas brancas demais. Tenho ouvido que devemos ler mais poesias, boas poesias. Talvez seja um bom começo, até para - em breve - não ser um bom recomeço.

5 comentários:

Cara de 30 disse...

Hmmm... Excelente texto. Excelente reflexão.

Dado interessante: Paulo Coelho é um dos que mais vendem no mundo inteiro (se não for O QUE mais vende!). Entretanto, as pessoas não conseguem lê-lo. Ele está entre os best-sellers mundiais mas não está entre os mais LIDOS do mundo. Legal, não?! Que tal vender menos e ser lido, compreendido?!

Durma com esse barulho...

Robson Schneider disse...

Também tenho essa sensação Beto, e percebo isso muito claro, quando observo a proliferação "fast Food" de informação rápida e mal elaborada, além de totalmente previsível... afinal pra segurar o "leitor" tem que se adequar a ele, o que é muito pior ao meu ver.
Abraço

Felipe Lima disse...

Quando questionada sobre o papel do escritor, numa antiga entrevista, clarice lispector responde: falar menos. Acho que se nossos escritores falassem menos as páginas dos livros não estariam tão vazias. Abraço.

Beto Canales disse...

Comentários geniais!

Kauana Resende disse...

As páginas dos livros talvez talvez estejam abarrotadas, mas aí pende a nossa falta de cultura, a necessidade que criamos de sustentar nossa globalização com informações superficiais, com um conteúdo escasso de comerciais de TV... Aí entra outro significado para o branco: cega, justamente por querer fazer enchergar.