O Velho, o cão, o seqüestro e a fantasia

Às vezes penso que não estou com minhas faculdades mentais em ordem. Esta semana, dois casos ocorridos no Brasil, um aqui no sul e outro em São Paulo, me deixaram de sobreaviso a respeito de minha sanidade. Eu não posso estar vendo o que está nos telejornais. É tudo imaginação (e barata) de minha mente doentia. Não há nada tão torpe e tão irreal como o que imaginei.

Vamos aos casos: em Santa Maria, uma cidade universitária a cerca de 300 kms de Porto Alegre, um velhinho de 78 anos, dirigindo um fusca verde alface, atou um cachorro no pára-choque de seu carro e saiu pela cidade arrastando o agonizante animal. Parado por alguns passantes, policiais retiraram o ensangüentado cão e perguntaram ao calmo idoso a razão daquela atrocidade. Ele explicou que o animal havia brigado com o dele. Ponto. Esta é a irreal história que meus neurônios perversos e diabólicos inventaram. Claro que o motivo desse delírio deve ser minha (novamente) implicância com os que olham para uma pessoa enrugada, encolhida e de cabeça branca e imediatamente dizem: "cosquerida este velhinho", sem sequer especular se o tão sereno e inspirador de confiança ancião foi um exterminador nazista na Polônia ou um estuprador de crianças dentro de uma igreja qualquer. É uma conta simples: todas as pessoas más, como as boas, se não morrem, envelhecem, ou seja, a proporção de tarados, assassinos, sádicos e por aí afora é praticamente a mesma na velhice do que na fase adulta. Conclusão: boa parte dos "velhinhos simpáticos" são, ou na melhor das hipóteses foram, pessoas ruins. Mas minha imaginação poderia ser menos fértil, e não criar um enredo tão sórdido como esse do cão arrastado pelo fusca e o motivo alegado. O segundo caso: um seqüestro passional. Um rapaz de 21 anos deixa presa sob a mira de armas uma menina de 15 anos a qual ele namorava e uma amiga, da mesma idade, em Santo André, uma rica e próspera cidade. Detalhe sórdido da minha tão estupendamente doentia mente: eles namoravam há três anos, ou seja, ela tinha 12 quando tudo começou. Pensei que eu não fosse capaz de criar nada assim, com crianças fazendo coisas de mulheres, mas... Bem, ao caso: depois de mais de 100 horas de tensão (eu escrevi mesmo este número , sem engano - claro que na esfera do imaginário tudo é possível) a amiga é libertada e devolvida ao bandido logo depois. É mais ou menos uma síndrome de Estocolmo só que atingindo o comando policial. Da para acreditar nisso? Pois é, ela voltou e terminou a história com um tiro no rosto. A outra com dois: um na cabeça e um no abdomem e provavelmente irá morrer (se viver, será em estado vegetativo). O bandido está vivo e protegido, bem alimentado, e já "avisou" que um diabinho falava em seu ouvido. Claro, coisas do demônio. Ele não era capaz de perceber o que fazia, coitadinho. Detalhes sórdidos: um dos comandantes que permitiu que a amiga voltasse ao cativeiro, disse que se fosse sua própria filha ele também permitiria. Bom, não é de espantar que tudo isso tenha acontecido. Mas é só mesmo a fertilidade de minha massa cinzenta para criar fantasias tão colossais e absurdas. Claro que essa segunda história tem muitos pontos inverossímeis, como a razão da polícia esse tempo todo não ter invadido em uma hora em que o cansaço ou sono tivesse tomado conta do bandido, ou a estranha razão de alimentar o sujeito e tantas e tantas outras coisas erradas. Mas deixa assim, é algo tão espatafúrdio que não merece atenção.
Vou é procurar em bom terapeuta. Preciso de um urgente. Ou melhor fechar os olhos e ouvidos. Este mundo imaginário que crio é muito perigoso, ainda bem que vivo no mundo real, onde policiais não mandam meninas de 15 anos ao encontro de seqüestradores e todos os velhinhos são muito queridos e bonzinhos. Puxa, adoro isso tudo!

10 comentários:

Anônimo disse...

olá.

um bom texto garoto, e o problema do mundo são mesmo as pessoas, por isso quanto mais conheço os cachorros mais dúvidas tenho das pessoas.

sorte e luz.

Robson Schneider disse...

Beto isso tudo me deixa num estado de perplexidade exacerbado, pois tem uma soma absurda de coisas e justificativas estúpidas, que juntas fazem uma colcha de retalhos da pior qualidade e me da nauseas na alma.
Não sei se por que tenho muita facilidade de simplesmente dizer que errei... não sou bom pra ouvir desculpas FDP.

Felipe Lima disse...

Para ser bem sincero, Canales, confesso: Eu ficaria muito, mas MUITO feliz se todas essas histórias fossem criações de sua mente fértil.

Eu morreria de felicidade em imaginar que a sua decadência mental fosse a responsável por todas essas atrocidades colossais.

Mas a realidade é essa mesmo.
Sim, não se desespere! Eu sei que o efeito é parecido com aquele de quando você descobriu que papai noel não existia, lembra? E que coelhinhos não botavam ovos.

Estou sendo cruel, não estou? É que a realidade é assim.

Meu conselho: não procure um terapeuta. Permita-se enlouquecer. Quem sabe a salvação não está na loucura?

Um grande abraço.

Jana Lauxen disse...

Tenho uma coisa terrível para te dizer: eu também vi isso, exatamente assim como você contou.
Será alucinação coletiva?

:O

Cara de 30 disse...

Alucinação coletiva... Só pode ser isso.

Flor de Tília disse...

Mais estranho que a ficção. Viu esse filme também?
A vida sempre é...

Silvares disse...

Que grande merda!

Adriano Queiroz disse...

Se eu fosse a filha ou filho deste comandante dava o fora rápido, antes do próximo sequestro.

Agora esqueceremos e virá o próximo acontecimento que a mídia vai especular ao máximo, e novamente ficaremos perplexos.

Ou não?

"Seja a mudança que você deseja ver no mundo"
(Mahatma Gandhi)

Precisamos interiorizar esta mensagem cada vez mais.

Abraçõs Beto.

Leandro Luz disse...

Cara, estou precisando procurar um analista tbm!

No meu último post comento sobre "jornalistas" que negociam com o bandido, enquanto policias assistiam o desfecho.

Como dizia um personagem do Chico Anysio em um hospicio: "Tá todo mundo louco, todo mundo louco!"

Adorei o blog!

Abraço

Felipe Lima disse...

Poderiam sim, Canales. Sempre.