Futebol, idade e ingratidão


Eu consegui. Estava jogando futebol com meu menino - uma aula, praticamente - quando dei com o calcanhar do pé esquerdo na canela da perna direita e caí com violência no chão. Gritei por falta, penalte, expulsão, cadeia e ouvi a verdade. "Pai, tu caiu sozinho!" Olhei para os lados, todos eles, uma, duas vezes e lembrei que só nós dois jogávamos. Argumentei que foi a bola e de novo ela, a malvada verdade: "A bola tá comigo". Pronto. Anos e anos de leituras e análise por água abaixo. Tem coisas que jamais deveriam ser ditas, cochichadas, sequer imaginadas.
Aproveitei que estava no chão e comecei a procurar minha auto-estima e nada. Infelizmente minha visão não é de raio x (raio-x). Não enxergo o sub-solo, subsolo (putz, não sei a regra dos hífens) e, descubro agora, nem mais escrever direito.
Sempre pensei que deixava meu menino ganhar no futebol. Sabe que a coisa mudou? Ando desconfiado que ele é que está deixando agora. Notícia estranha para ser recebida no chão, com dor no calcanhar e na canela, a procura de auto-estima. Autoestima? Enfim, a procura daquilo.
Eu pensei que nada poderia ser pior. Ingenuidade minha. Ouvi - para que tantos sentidos, afinal? - risos. Isso mesmo, sei o que vocês estão pensando, mas o menino, deserdado e de castigo até completar a maioridade, riu. Claro que ninguém faria uma maldade destas, exceto o próprio filho. Levantei. Reuni minhas últimas forças e dignidade e me ergui como um urso faria. Urso mesmo, grandão, pesado e todo desengonçado. Não ia deixar barato. Suportei toda a dor, psicológica e física. Lembrei do Freud, do Jung e do Lacan (dia desses uma amiga referiu-se a ele como bichona) e senti orgulho e capacidade para a batalha. Reorganizei meus sentimentos. Raiva. Vitória. Isso que eu queria, precisava. Lembrei do Iodex, Fumentol, Doril. Enfrentei a bárbara dor e fui ao jogo.

Sinceramente, gosto de épicos. E assim foi. Uma batalha sem precedentes e com somente um vitorioso (dois pontos): Eu, euzinho mesmo. Machucado e tudo. A vitória do bem conta o mal.

Quando terminou ele abraçou-me com ternura e passou a mão na minha cabeça. Foi o reconhecimento, o parabéns. Ou...

Não acredito! Ele deixou eu ganhar? Um guri que nem mesada tem mais, como vai achar onde morar? Desnaturado! Com aquele falso abraço pensa o que? Que me cativa? No próximo jogo, daqui há alguns meses, quando minhas lesões melhorarem, ele vai ver o que é um craque... Me aguarde, se tiver coragem.

A canela está roxa e o calcanhar dói como estivesse aberto. Caí para a frente e arranhou os cotovelos. A vida não é fácil.

Mas é boa.




7 comentários:

Biba disse...

Ah, de volta e lesionado! Hehe!! Desculpe, mas o menino é muito sabido, né? E você, paizão que luta com seu orgulho ferido, enh? Tá bom, eu também acho que a vida é boa pra caramba apesar de às vezes querer dar um bolo nela.
Beijos, muitos
Carpe Diem!!!

Anônimo disse...

olá meu garoto.

devo dizer que estou rolando de rir, a imagem do seu tombo não me abandona a memória, e devo convesar que meimaginei na situação.

parabéns pelo texto, e seja bem vindo.

sorte e luz meu velho.

Cara de 30 disse...

Eu prometo que não estou rindo... Prometo mesmo... :)

Letícia disse...

Aproveita as férias, Beto. E jogue futebol, viva bastante e volte renovado.

Beijos.

E uma epifania depois de uma partida de futebol. Muito bom.

Luiz Gonzaga B. Jr. disse...

Da próxima vez tente o xadrez.
Se perder (também kkkkkk!) no xadrez...

Daisy Serena disse...

hahhahahahahahahahahahahhahaha.
Não se fazem mais crianças como outrora.

Muito bom Beto!!!!!!!!!!!!

Beijoca

Nara Grilo disse...

Gostei. muito bem contada :)