Sobre verdades e verdades

A literatura é, sem dúvida, a mais fantástica manifestação humana. Nada supera a eficácia com que encanta, assusta, diverte ou destroi. É uma arma carregada mirando para todos os lados. Basta que seja disparada para o lado certo e teremos uma boa consequência. Em geral são ótimas. O que não foi nada bom foi essa minha comparação infame. Mas acredito que seja mais ou menos assim. Nem sempre os livros e seus "ensinamentos" são usados para o que consideramos "bem".
Não gosto muito da batidíssima frase "ler é viajar sem sair do lugar". Além de não gostar, discordo. Provavelmente quem disse isso nunca viajou. Ler não deveria sequer ser comparado com uma viagem. São duas coisas antagônicas que nem se conhecem. Passam ao largo. Chega a ser infantil afirmar isso. Se fosse possível, vejam bem, "se" fosse possível essa comparação, ela seria ineficiente, porque ler é mais que viajar. (Abro literalmente um parênteses para afirmar que viajar é uma das três melhores coisas do mundo - inclusive e sem medo da contradição - do que ler).
A razão disso é bastante simples: a mentira. Novamente eu especulando sobre essa milenar senhora sempre tão jovem, bonita e eficiente. Retirando algumas obras específicas, o que são os livros, além de mentiras bem contadas? Além de fascinantes delírios de um cérebro privilegiado? Autores são, a rigor, mentirosos com o fantástico dom da palavra. E os leitores, verdadeiros românticos que pagam e usam seu tempo para viver as mentiras, tramas, artimanhas e maluquices alheias. Experimentam sensações e prazeres vividas por ninguém, exceto pelo imaginário de um contador de histórias que na maioria das vezes não aconteceram.
Isso é fascinante. Prova o quão inteligente são as pessoas que leem e, talvez, o quão doentia as que escrevem, expondo os caprichos mais íntimos e, quem sabe, sórdidos, para que sejam explorados, usados, gozados e tudo mais por um desconhecido. Pelo menos fisicamente.
Portanto, e agora sim cometendo o pecado do contraditório - a verdade de quem lê é a ficção de quem escreve. As pessoas leem acreditando em cada palavra, por mais absurda que pareça, seja verdadeira. E o autor, esse mentiroso nato, enriquece todas elas com técnicas e talento, para que pareçam mesmo representação da verdade. Existe um acordo, uma espécie de contrato informal, uma aceitação mútua e condescendente para que tudo funcione e a magia da ficção se pareça tanto com a realidade, que, enfim, torna-se real.
Isso não é maravilhoso? Não mostra que, apesar de tudo, somos civilizados? Cultos? Sentimos prazer com o delírio dos outros. Nós terceirizamos o trabalho.
O viajante (com verdadeiras expedições ao imaginário) é quem escreve, e o leitor quem aproveita.
Viva a ficção!


2 comentários:

Letícia disse...

Muito bom. Não importa a teoria. Importante mesmo é a forma como ela é apresentada. E aguenta porque a torcida contrária é sempre maior que a de nosso time.

Beijos, Beto. =)
E mandei seu book hoje.

http://minhasagacontinua.blogspot.com disse...

beto, muito interessante seus argumentos.
bom para todos nós é gostar de ler e mais ainda de literatura, com a qual aprendemos (e aprendemos) a cada dia.

um abraço, rapaz.

renato

embora o endereço esteja http://minha saga continua, o correto é www.tertuliaonline.com.br