Derrotado?

Fui vencido.
Não por um herói ou um bandido qualquer. Não em um jogo ou disputa. Não por uma pessoa. 
Fui vencido pelo sistema. Pelo governo, com sua ganância exacerbada e notória falta de escrúpulos; pelo judiciário incompetente, lerdo e injusto; pelo parlamento com seus acordos, jeitinhos e roubos; pelas polícias, truculentas, assassinas e ineficientes; pelas mega-empresas e corporações, com suas híper-falcatruas e incompetências; pelas igrejas, que parecem um banco ao contrário e não menos perversas; e pelos bancos, que fazem do lucro fácil e a qualquer custo sua religião.
Fui vencido.
Por essa turma aí de cima, que colocou trinta anos de trabalho fora. Do meu trabalho, claro. Puseram embaixo do tapete peludo e caro que eles pisam com seus sapatos italianos uma história inteira, uma vida. Essa turma que ri de mim, de ti, de nós. Que debocham, ironizam e vomitam em nossas críticas, em nossas esperanças. E, caso algum deles escute algo, vai de férias à Paris até esquecer. É assim. Sempre foi assim.
Fui vencido.
Pela engrenagem estúpida e maquiavélica da burocracia. Pelos prédios grandes e ostensivos com seus vidros negros. Pelos símbolos que sempre me mostraram. Pelas bandeiras, pelos hinos, pelos votos. Pelo meu voto, que um dia acreditei que melhoraria algo. O voto não vale nada sem ter em quem votar. E parece que nunca tivemos.
Fui vencido.
Pela ditadura de antes e pela democracia de agora. Pelo fato de que a diferença dos dois parece ser apenas que agora podemos chamar o ladrão de ladrão. Mas, como antes, todos continuam soltos.
Fui vencido.
Por que o larápio (não esse que rouba uma galinha ou um pacote de arroz, mas o que rouba a merenda escolar, o dinheiro do hospital), tem os melhores médicos, carros, as melhores casas e as mais gostosas comidas.
Fui vencido por que o brilho do ouro é mais importante que uma criança bem alimentada. Por que ganhar um voto não é o mesmo que ganhar um admirador. Porque tudo é negociata. Dinheiro. Poder.
Fui vencido pelo poder. Pelo podre. Pelo mau.
Fui vencido por ser honesto e não capitular. 
Vencido de consciência tranquila, se é que isso faz alguma diferença.
É claro que perder não é feio e faz parte da vida. É evidente que em um jogo sempre que alguém ganha outro perde. Mas esta é a questão: não há jogo, não há disputa. Não há nada além do que o dinheiro pode comprar. Não há, portanto.
Fui vencido onde não existem vencedores, somente néscios.
Fui vencido sem ser derrotado!


5 comentários:

Onofre Dias disse...

Queria ter dito exatamento isso.
Abraço e parabéns.

the dear Zé disse...

Olha porra. Podia ser eu a falar (não tão bem escrito, claro). Mas por aqui é a mesma porcaria. E até tivemos, parece que tivemos, uma espécie de revolução. Em vão. Agora este país está a saque. Como muitos outros. Néscio? Também enfio essa carapuça, serve-me perfeitamente.
E agora? É o que eu me pergunto mais, e agora? Junto-me a eles? Inscrevo-me num dos 2 partidos que estão à vez no governo? Entro num convento? Emigro?
..da-se...

abraço

Silvares disse...

Não acredito que tenhas sido vencido. Se isso tivesse acontecido tu não davas conta. Só é vencido quem desiste de ir à luta. Para quem vai à luta não há derrota porque, no próximo round, a vitória pode sorrir-lhe.
:-)

Letícia Palmeira disse...

Eu costumava acredita em heróis. Lula era um sonho meu. Coisa antiga mesmo. Mas nem tudo termina como quero.

E acho que já nascemos vencidos. Não derrotados. Vencidos. Só isso.

J Araújo disse...

Beto, concordo com vc em gênero, número e grau. Tudo o que acontece nesse país é fruto da nossa inércia. os ladrões estão a solta enquanto nós brasileiros ó!!!!

Fica uma pergunta no ar; será que podemos ter esperança um dia?

Boa semana
abraço