Machões, última parte - A Saga

O mundo ajuda. A sociedade colabora. A natureza conspira. É muito fácil ser machão. Ando impressionado. Quer ver? Posso, por exemplo, dizer "quero que tu busque uma cerveja agora". Perceberam? Escrevi na segunda pessoa e conjuguei o verbo na terceira e nada me acontece. É que nós, os machões, temos - assim como os poetas - uma licença linguística permissiva bastante ampla. Esse negócio de conjugar os verbos certinhos é coisa de boiola, portanto, posso escrever de qualquer forma sem problema algum. Não é fantástico? Caso você ache algum erro no texto, ele é proposital. A maneira certa deve implicar em alguma boiolice, então...
E as vantagens não param por aí. Contar piada sem graça, por exemplo, é um direito que nos assiste. E os ouvintes têm que rir. Claro, não é preciso uma gargalhada daquelas de galpão, mas, ao menos um sorriso são obrigados a dar, senão pinta "aquele" clima. E "aquele"  clima não é coisa de macho. E tem mais. O rol de facilidades é imensa, mas não vou ficar enumerando porque enumerar é coisa de veado. (Uma pequena observação: quando falo em boiola ou veado, não estou referindo-me aos gays, e sim a todos que não são machos de carteirinha ou aqueles infelizes que não tem no machismo um estilo de vida).
Enfim, depois do sucesso em casa da minha nova fase, resolvi ganhar o mundo. Agora todos conheceriam um verdadeiro macho. Um genuíno Macho, categoria bem macho, com honrarias. Na escala internacional de machismo este é o penúltimo degrau a alcançar. Acima dele, somente  MCBMCHeNemAí , que quer dizer Macho, categoria bem macho, com honrarias e nem aí, mas, não ainda existe ninguém nesse nível. Chegar lá, na verdade, é meu objetivo. Mas, como beiraria a perfeição, provavelmente levarei tempo, coisa de 3 ou 4 meses, para atingir. Áh, antes que eu me esqueça, modéstia não é exatamente uma característica muito comum em nosso meio.
A estreia fora de casa foi, claro, num bar. Entrei, fiquei na ponta dos pés e encarei a todos com ar superior. Dei aquela olhada tipo "se não comi tua irmã comi tua mãe", sabe?, e falei como nos filmes:
- Aqui só tem veado!
Nenhuma reação, exceto por um roupeiro que levantou calmamente, chegou na minha frente e, antes mesmo que eu desse o famoso sorrisinho irônico para o lado esquerdo da boca, disse:
- Sim, contando contigo.
Mesmo assim dei o sorriso. Fiz ele viajar até o outro canto da boca. Pensei em responder algo violento, como um "caveira" faria, mas não o fiz. Trouxe novamente para o lado esquerdo, voltei
com ele ao lado direito, novamente ao lado esquerdo, e mais uma vez para o lado direito até que o roupeiro sacudiu a cabeça e voltou a sentar. Medroso, pensei, mas resisti ao meu ímpeto destruidor e pedi ao homem do bar, com voz grossa e rouca e sem expressão alguma na face, minha bebida:
- Uma água mineral. Sem gás.
O barmen me serviu em um copo sujo e tomei aquilo tudo numa só tragada, sem pigarrear.
Deixei três moedas de real encima do balcão e saí porta afora, sem olhar para trás. Afinal, tinha louça me esperando. Sorte do roupeiro. Porque se não tivesse, seria o fim daquele amontoado de músculos inúteis.
Naquela noite dormi com o sorrisinho perpetuado no canto esquerdo da boca.
E nem respondi ao boa noite da minha mulher.

2 comentários:

Onofre Dias disse...

tão bom quanto a foto.

Silvares disse...

Macho que é macho não sabe o que não é, muito menos imagina aquilo que podia ter sido. Bom, já me perdi. Texto gostoso de ler. (expressão que imagino como sendo genuinamente brasileira!:-)