Bruna Surfistinha

Existe um pecado mortal que alguns bons filmes - ou que poderiam ser - cometem exclusivamente por influência externa. Seja por pressão social, política, religiosa ou por exigência de patrocinadores, tornam-se um imenso anúncio, defendendo teses, posições ou simplesmente condenando. Esses tópicos, legítimos, claro, dentro de suas áreas, estragam qualquer obra. Quem deve fazer anúncio são as agências de publicidade, quem deve defender teses são os doutorandos, quem precisa escolher uma posição são os políticos e quem deve condenar são os juízes, e não o cinema, e não a arte. Devo repetir: o cinema não deve ser panfletário, não deve pregar moralismos ou qualquer coisa do gênero.
Bruna Surfistinha é um bom filme porque não faz nada disso. A história - que eu considero pouco boa - é contada de forma isenta e sem "palpites". Tudo transcorre de maneira fácil sem nenhuma turbulência maior, o que poderia ocorrer com certa naturalidade, pois relata a trajetória de uma prostituta.
O pouco que faltou para ser um filme sensacional, desses fora do padrão, deveu-se a alguns erros, não muitos, é verdade, e ao enredo, fiel à trajetória da nossa "heroína" marginal, com pouquíssimas ousadias ficcionais. Erros como seis ou sete mulheres, todas em uma sala conversando e viradas para o mesmo lado, de onde obviamente são captadas as imagens, não chegam a comprometer o filme, apesar de incomodar. Mas a limitação da história com a realidade não somente incomoda, como também compromete o resultado, sem dúvida alguma. Em uma obra artística a verdade não interessa, e sim a verossimilhança. Verdade é coisa para historiador. Uma obra não deve ater-se à realidade. São duas coisas incompatíveis. E um filme "baseado" em fatos reais, não precisa ser uma cópia mais elegante do que já aconteceu. Opinião, claro, minha e provavelmente somente minha, mas, de realidades estamos todos nós, exceto os nefelíbatas, cercados por todos os lados.
Outros detalhes são surpreendentes, pelo lado positivo. A montagem, simples e eficiente; o elenco, muito bem escolhido, exceto, talvez, pela dona do inferninho, a sempre boa Drica Moraes, exclusivamente por sua pouca idade para a "função"; a fotografia, excelente e, claro, a estonteante, em todos os aspectos, Débora Secco, que coloca na personagem, além de elementos característicos a uma prostituta, uma boa dose de feminilidade, no sentido literal da palavra.
Enfim, se levarmos em conta que o filme foi baseado no livro "O doce veneno do Escorpião" que foi baseado na vida da autora, Raquel, que criou a personagem Bruna, os poucos passeios pela ficção tornam-se mais que aceitáveis.
Não à toa o filme teve, em duas semanas de exibição, mas de um milhão de expectadores. Se você gosta de cinema, aumente esse número.
Débora, ops, Bruna merece!

3 comentários:

Ricardo Valente disse...

Pois eu fui assistir por falta de opção, achando que seria uma merda, mas realmente dá pra ver, apesar da Débora Seco. A voz dela é para dentro e aquele andar forçado, masculinizado, nada a ver. As cenas de sexo poderiam ser mais reais e aparece ela cheirando coca adoidada, quando na realidade para ficar mal daquele jeito, deveria ser um coquetel de drogas. A cena no final, do Cassio G. Mendes estacionando o carro abruptamente e num mirante, foi demais; mas o que foi bom mesmo foi o que relataste aí: uma puta profissão puta.

Anônimo disse...

Acabo de saber pq não gostei mais do filme....

Carmem Oliveira

Silvares disse...

Concordo contigo, a verdade, tal como nada tem a ver com a "realidade", não deve interferir com o objecto artístico de forma decisiva. Pode interferir, mas não dominar. O objecto artístico deve possuir uma coerência interna que seja perceptível ao espectador. Se essa coerência existir o objecto é perfeito, mesmo que o não seja. Sei que soa confuso, mas não duvido nem um pouco desta ideia.
:-)