Experiências no casamento e a crueldade feminina

Admito, sou um exemplo de bom marido. Minha paciência e aptidões são gigantescas, minha capacidade de perdoar e de compreensão também. Esses fatores, somados ao meu conhecidíssimo dom culinário, deixa-me - permitam a pouca modéstia - perto da perfeição marital. Deveria ser citado mundo afora como "o companheiro perfeito". Provavelmente não o seja, por algumas limitações (sim, elas existem) e dificuldades congênitas, que passariam desapercebidas por todos, mas, claro, não por ela, a minha feliz e má companheira.
Aos fatos: como quase sempre, fizemos em dupla uma tarefa de manutenção da casa, simples como desentupir um cano. Na verdade, era desentupir um cano. A parte dela, pegar o material, esvaziar o lugar, por soda cáustica, água fervente, e, depois disso tudo, introduzir uma mangueira no maldito cano e fechar a entrada para que a água que colocaríamos não retornasse. A minha, bem mais importante e vital para o sucesso da empreitada, era abrir a torneira e depois fechar.
Pois lá estávamos nós, prontos, ela debruçada sobre o buraco redondo no chão e eu acocorado frente a torneira, com olhar fixo, quando veio a ordem:
- Abre! 
Num movimento rápido torci aquele negócio redondinho e a água saiu com força. Só tinha olhos para a torneira, na qual segurava firme como seguraria uma espada para defender minha família, quando, por uma ironia do destino, uma formiga desviou minha atenção para a parede, e meus olhos a perseguiram em seus movimentos obtusos e minhas mãos soltaram-se do metal frio e meus ouvidos captaram outra inesperada ordem:
- Fecha rápido que escapou. Rápido que tá molhando tudo!
Abandonei a formiga e olhei para a torneira: onde diabos estavam minhas mãos? As duas se viraram para mim como acenando, mas voltaram imediatamente ao trabalho. Afinal, primeiro o dever. E, num milionésimo de segundo, perguntei afoito:
- Pra que lado?
- Pra que lado o quê? - respondeu ela.
- Pra que lado eu fecho?
Foram momentos intermináveis. Antes do final do diálogo, porém, devo confessar: tenho problemas com torneiras. Abro elas com facilidade e tal, mas, se eu tirar as mãos, esqueço para que lado fecha. Eu me esforço, penso em um relógio, essas coisas, mas meu relógio é digital. Na verdade, nem tenho um. Resumindo, se eu tirar os olhos e principalmente as mãos, não sei mais qual lado é o certo. É uma deficiência, um defeito de fabricação. Convivo com ele há anos e, até aquele dia, sem traumas maiores. Mas, enfim, veio a resposta, em um tom alterado e mordaz:
- Eu não acredito que alguém não consiga fechar uma torneira!
Ainda tentei argumentar mostrando a formiga, a verdadeira culpada de tudo, mas acho que foi a aguaceira por toda a área que não deixou ela ouvir. E agora? Quem vai curar meu trauma? Como conviver com um preconceito monstruoso desses contra uma pequena particularidade negativa que tenho? Como admitir que eu seja humilhado por ter essa deficiência?
Pois aí que entra o bom marido. Fiquei ali, parado, ouvindo aquela frase horrorosa ecoar na minha cabeça com os olhos cheio d'água, mas, juntei forças sei lá de onde, e propus fazermos tudo de novo.
Ela, a má, recomeçou o ritual enquanto eu saí atrás da formiga. Pronto. Tornei-me um assassino, mas garanti meu casamento e o título de bom marido.
Talvez eu precise fazer análise depois da experiência. Se bem que quando penso que a formiga acabou ainda pior que eu, fico mais aliviado, e, também, que deu certo: o cano desentupiu, além de, graças a minha benevolência, eu a tenha perdoado.
Me sinto bem quando faço a coisa certa!

4 comentários:

Anônimo disse...

kkkkkkk
Vc é demais!
Bjs.

Ana Lucia Franco disse...

A má na história é a formiga, não a mulher! E os maus sempre levam a pior, já diziam as antigas fábulas.

abrs.

Onofre Dias disse...

Muito bom, Beto.
Abraço

Leonardo Xavier disse...

Eu confesso que quando era guri tinha essas dúvidas com parafusos. kkkkk!