Nossas estranhas escolhas e, ainda, os animais

Um pouco antes do extremo sul do Brasil, no belo estado de Santa Catarina, nesta época do ano ocorre a famosa pesca da tainha. Funciona de maneira simples: alguns pescadores experientes e "bons dos olhos", ficam em um lugar alto, em cima de um morro, por exemplo, procurando os cardumes. Quando encontram, sinalizam aos barcos pesqueiros que imediatamente os envolvem com redes e, em algumas ocasiões, os arrastam até a praia, onde ficam os milhares de peixes pulando uns sobre os outros, agonizando lentamente, proporcionando um mórbido espetáculo: o final cruel a que foram submetidos aqueles belos e indefesos animais. Um show que aparece uma ou duas vezes por ano em rede nacional, não raro sob aplausos e manifestações de satisfação. É interessante, também, que as pessoas ficam até o último peixe dar a derradeira retorcida em pleno ar, antes do fim. Somente quando não há mais vida, todos estão imóveis, literalmente com "olhar de peixe morto", o público se afasta. Bom mesmo é ver a morte, o sofrimento, a agonia. Ver o defunto não deve ser tão emocionante.



Certa vez quando falava disso a um amigo, ele justificou de maneira objetiva a barbárie: "é pra comer" e que, por isso, era normal que as pessoas não vissem naqueles animais sofrendo, os animais sofrendo. Eu fiquei quieto e não respondi. Não falei que, aqui mesmo em Porto Alegre alguns anos atrás, um sujeito foi preso e xingado por uma multidão enfurecida porque matou uma pomba, dessas grandes que infestam as praças das cidades e trazem doenças e piolhos. Quando o viram capturando o pássaro e dando a ele uma morte rápida, foi atacado e agredido por alguns passantes que só pararam quando chegou a polícia que, enfim, cumpriu seu dever, um deles pelo menos, o de encarcerar esfomeados, e o levou preso. Um detalhe dito e repetido pelo homem não foi ouvido pela multidão, e, se fosse, creio que seria irrelevante: era para comer. Era o almoço do caçador urbano. Era para matar a fome e suprir as necessidades proteicas.
Mas, enfim, onde já se viu - desculpem o trocadilho - matar uma pomba para matar a fome? E o direito dos animais? E a proteção aos pássaros?
Interessantes as nossas escolhas, nosso comportamento. Com a mesma intensidade em que aprovamos, admiramos e aplaudimos a morte em massa de peixes, não permitimos a morte de um pássaro sequer, mesmo que elas ocorram pelo mesmo motivo.
Imaginem se alguém pegasse centenas de patos, ou marrecas, e os deixassem morrer lentamente, o que aconteceria. Claro que as lentes estariam lá, mas para mostrar a crueldade do ser humano e não para mostrar os agonizantes momentos finais da bicharada.
Não vou estender para exemplos que envolvam os tais "pets", porque se você reclamar de um cão que uiva e late uma noite inteira não deixando ninguém dormir, você é insensível, anti-social, ranzinza e inimigo dos animais. Afinal, onde já se viu achar ruim a expressão natural dos instintos dos animaizinhos? Então, como antes, melhor ficar calado. O direito dos cães latirem é maior que o meu direito de dormir. E a lei do silêncio foi feita para as pessoas e não para os animais indefesos.
Conclusão: com os peixes pode. Eles são seres inferiores e merecem o extermínio cruel e público para divertimento de todos. É uma pena eles não latirem, porque então eu poderia falar mal deles, sem ser repreendido. 
Peixes idiotas!

2 comentários:

Onofre Dias disse...

Conclusão 2: vc não gosta mesmo de cachorros... E não tiro sua razão.

Silvares disse...

Pois é, os animais são todos igualmente cruéis. Os que comem e os que ficam com fome.