Como sou detalhista quando falo em cinema, vou iniciar por uma crítica. Última Parada 174 começa com um erro linguístico: gírias. A usada por um traficante na década de 80 é a mesma usada nos morros dos dias de hoje. Se existe algo que evoluiu (involuiu?) - melhor afirmar que modificou - nos últimos tempos foram as gírias e suas deturpações. Como ela acontece em todo o filme, esta falha incomodou um pouco. Fora isso, temos um belo exemplo de como se fazer cinema, principalmente com atores com pouca bagagem.
É muito estranho ir ao cinema sabendo o final, como se ele já tivesse sido contado pelo chato de plantão. Mais ainda se todo o enredo for conhecido. O chato era especialista e revelou tudo, cada detalhezinho. Isso seria naturalmente suficiente para estragar qualquer prazer na sala escura. Mas Bruno Barreto consegue, de maneira criativa, superar o fato da história ter saído em todos os jornais do país centenas de vezes por ter realmente acontecido na bela cidade do Rio de Janeiro. Consegue também fazer um filme longo (114 min) passar rápido. É bem montado, tem uma fotografia muito boa, mostra nossa desgraça (e talvez de todo o planeta) e, provavelmente por isso, não será escolhido pela Academia como melhor filme estrangeiro, caso chegue lá. Creio que seja basicamente uma obra adulta, amadurecida.
Mas 174 é daqueles filmes que não incentivam a falar de cinema. Apesar dele estar na Lista dos 10 melhores (esta lista é aquela em que nunca sai nenhum título, só entra) minha vontade é de calar sobre arte e gritar sobre política. Não vou fazer isso também, por que ainda antes dela estamos nós, pessoas comuns, que vivemos e co-produzimos nossa própria degeneração, seja fumando um baseadinho, dando uma esmola, fechando os olhos para uma criança bebendo ou até mesmo votando errado. O rol de coisas absurdas que fazemos, conscientes ou não, que contribuem para o pó mandar nos morros é enorme. Nossa ajuda é fundamental para os traficantes se armarem, corromperem ainda mais polícia e judiciário e administrarem comunidades inteiras com mão-de-ferro, lugares onde nossas leis valem o mesmo que o caráter dos corruptos. São juízes e algozes e, contraditoriamente, vítimas. O ciclo começa cedo e termina também cedo. É breve mas, como a natalidade é enorme e descontrolada, nunca falta mão-de-obra, digamos, qualificada. Somos todos atingidos. Quase todos coniventes. A maioria culpados.
Provavelmente eu não saiba como resolver isso. Talvez eu tenha algumas poucas e discutíveis idéias para amenizar, outras poucas para não agravar ainda mais o problema e uma única certeza: ver a novela das oito não ajuda em nada. Absolutamente nada. Até por que ela foi feita para não olharmos nem pela janela, mesmo que - e provavelmente - através de grades.
Da próxima vez irei em uma comédia romântica. Com Meg Ryan.
É muito estranho ir ao cinema sabendo o final, como se ele já tivesse sido contado pelo chato de plantão. Mais ainda se todo o enredo for conhecido. O chato era especialista e revelou tudo, cada detalhezinho. Isso seria naturalmente suficiente para estragar qualquer prazer na sala escura. Mas Bruno Barreto consegue, de maneira criativa, superar o fato da história ter saído em todos os jornais do país centenas de vezes por ter realmente acontecido na bela cidade do Rio de Janeiro. Consegue também fazer um filme longo (114 min) passar rápido. É bem montado, tem uma fotografia muito boa, mostra nossa desgraça (e talvez de todo o planeta) e, provavelmente por isso, não será escolhido pela Academia como melhor filme estrangeiro, caso chegue lá. Creio que seja basicamente uma obra adulta, amadurecida.
Mas 174 é daqueles filmes que não incentivam a falar de cinema. Apesar dele estar na Lista dos 10 melhores (esta lista é aquela em que nunca sai nenhum título, só entra) minha vontade é de calar sobre arte e gritar sobre política. Não vou fazer isso também, por que ainda antes dela estamos nós, pessoas comuns, que vivemos e co-produzimos nossa própria degeneração, seja fumando um baseadinho, dando uma esmola, fechando os olhos para uma criança bebendo ou até mesmo votando errado. O rol de coisas absurdas que fazemos, conscientes ou não, que contribuem para o pó mandar nos morros é enorme. Nossa ajuda é fundamental para os traficantes se armarem, corromperem ainda mais polícia e judiciário e administrarem comunidades inteiras com mão-de-ferro, lugares onde nossas leis valem o mesmo que o caráter dos corruptos. São juízes e algozes e, contraditoriamente, vítimas. O ciclo começa cedo e termina também cedo. É breve mas, como a natalidade é enorme e descontrolada, nunca falta mão-de-obra, digamos, qualificada. Somos todos atingidos. Quase todos coniventes. A maioria culpados.
Provavelmente eu não saiba como resolver isso. Talvez eu tenha algumas poucas e discutíveis idéias para amenizar, outras poucas para não agravar ainda mais o problema e uma única certeza: ver a novela das oito não ajuda em nada. Absolutamente nada. Até por que ela foi feita para não olharmos nem pela janela, mesmo que - e provavelmente - através de grades.
Da próxima vez irei em uma comédia romântica. Com Meg Ryan.
19 comentários:
É a mesma sensação que deu quando saiu o filme sobre o vôo dos atentados de 11 de setembro. Um terrível déja-vu.
Beijocas :)
Provavelmente vou falar uma eresia, Beto, mas goste mesmo é de desenho animado. Não essas bobagens que passam todos os dias na tv, mas filmes bem elaborados, com inicio, meio e fim. Adoro.
Mas admiro quem gosta de filmes, como você e a Jana, por exemplo.
Prefiro ler porque, se a coisa preteia e fica muito violenta, passo adiante. Odeio descrições detalhadas de violência. Imagine, então, vê~las na tela!
Nossa, mas que comentário mais bobo, esse.
Enfim... abraços
Voto nessa da Meg Ryan.
Foi maldade sua citar Meg Ryan!
restringe as opções.
Eu entendo você.
Sensação filha-da-puta essa de deixar o cinema com um novelo de lã entalado na garganta.
Uma mistura de raiva e culpa, pena e ódio.
De mim, dos outros, do mocinho que virou vilão, do diretor do filme que veio esfregar essa realidade canalha na minha cara.
A realidade que eu não vejo através dsa grades, porque estou assistindo a novela das oito.
Ai, que triste.
Beijo
Vou tentar assitir a este filme.
Um abraço, Beto.
Continuemos...
no fundo toda a situação é tão complexa que intimida uma tentativa de raciocínio sobre a questão - embora eu ache que um pouco mais de sentimento ao tratar dessas mazelas também ajudasse. eu me sinto terrivelmente impotente.
Eu já ouvi falar nesse filme e fiquei masi curioso ainda. Realmente é terrível que isso seja comum por aqui, que a lei dos marginais funcione melhor que a nossa. Saber que todos somso sconiventes e que outros muitos não fazem nada para sequer amenizar.
Um horror!
Abraços.
Fábio.
Não posso dizer nada antes de ver o filme.
Mas algo me diz que ainda vou preferir O ALTO DA COMPADECIDA.
Abç.
Eu não vi ainda.
Já te falei que faço parte da diretoria do cineclube da minha faculdade?
Adoro cinema tb, mas não sou um expert.
É verdade Beto, enquanto nós damos uns peguinhas aqui, lá no morro não tem vez e a violência invade tudo.
Somos culpados e vítimas.
Abraços.
Que legal Adriano. Eu sou apaixonado por cinema. Literalmente, não vivo sem.
Abração, amigo
Não assisti o filme ainda. Queria ver, mesmo o New York Times tendo falado tããããõ mal.
Beto, estou com medo de ver esse filme... Não sei se o Barreto tentou fazer do safado lá um santinho-coitado-de-vida-difícil justificando a desgraceira que ele fez... Tenho medo que a ótica de um diretor de cinema, possa vir a mudar a ótica de uma sociedade duramente e diariamente castigada pela criminalidade sobre um marginal.
É óbvio que ele teve seus momentos de "cristo". Não estou discutindo isso... Fora de questão! Somente não podemos dizer que ele teve razões para fazer o que fez pois, assim, teremos milhares de mártires marginais em nossas cidades. É realmente isso que queremos para este país, para este mundo????
Morreu e foi tarde. Se tivessem estourado a cabeça dele dentro do ônibus, a vítima não teria morrido.
Não vi este filme ainda. Pra ser sincera, só vou ao cinema quando acontece algum milagre cinematográfico. Prefiro assistir tudo em casa. Qualquer filme. Não tenho preconceitos. Assisto comédias românticas e filmes "cult" como aquele sobre a vida de Piaf. Lembro que fui ao cinema e quando vi a fila de gente querendo ver este filme, dei meia volta e assiti, depois de um tempo, em casa. E ainda pude olhar pela janela. Na verdade, não suporto filmes que forçam demais a minha visão de algo que já está na minha cara e dói tanto que me causa mal estar. Foi o caso do filme Crash. Americano típico esse filme. Várias histórias e todo mundo ligado. Assim como em nossa sociedade. E a culpa é minha , sua e de todo mundo. A coisa está acontecendo, morros existem, baseados também e a chatice clássica de filmes que mais parecem fazer a gente sentir-se meio "estúpido". Prefiro Jerry Lewis. E também Apertem os Cintos o Piloto Sumiu. Estes, eu assisto contente e sei que, fora de casa, a guerra acontece e não sou alienada e não preciso que me digam, através de uma película, que drogas devastam nossa sociedade. Gosto da forma como você faz crescer sua crítica ligando tudo - filme, novela e realidade.
Um abraço,
Letícia
Eu vi o documentário do José Padilha.
Abraço, Beto.
Continuemos...
Eu vi o documentario no final do ano passado, acho que foi na Gnt.
Depois que a moça morreu, pelo tiro dos policiais, e que enfiaram ele no carro, e " reza a lenda" o sufocaram, passa as outras moças que estavam no onibus, falando que não precisava disso, que fou uma crueldade com o rapaz.
O sequestrado, sempre acaba pegando uma compaixão bizarra pelo seu sequestrador, vai entender...
É muito triste aquela momento em que deitadinho no calor do seu edredom, vc se dá conta, que em alguns morros por aí, tem crianças, no frio, fumando, cheirando e morrendo por essa vida.
Beeeeeijoca.
e...?
não vi.
não. nada.
aqui o cinema ainda ñ chegou.
desconfio q 174 ñ será a última parada.
a última parada são os gringos.
tão comprando os barracos no vidigal.
gostei de tudo q li.
abç.
olá.
um bom texto beto.
bem, eu ainda não vi esse filme, mas estou curioso para ver.
sort e luz.
Quando entrei no blog pensei "mais uma crítica idiota sobre cinema com a qual não vou concordar" e por sorte (minha, claro) eu estava redonda, quadrada e de compridamente enganada.
O que encontrei foi um texto com idéias muito bem costuradas e que me fizeram pensar em tudo, ATÉ no filme e no caso do ônibus sequestrado.
Tem razão, a sociedade é conivente, quem compra um baseado está financiando o traficante que vai tomar o morro, que por sua vez paga a propina do PM que vai permitir que isso aconteça.
Triste o que acontece no Rio e em outras cidades do Brasil e do mundo. Final dos tempos? Se cruzarmos os braços para assistir o que se passa à nossa volta como se fosse apenas um filme, com certeza será.
Mas eu ainda voto na esperança, que juram que só morre no final (do filme?)
Abração.
Postar um comentário