Urubus



Quando termina um filme e começam a subir letrinhas que ninguém lê, eu procuro olhar para as pessoas. Procuro interpretar as reações de cada um. Vejo de tudo: expressões de choro, pessoas aliviadas, descansadas, felizes, enfim, naquele instante é revelado o efeito do que foi recém exibido. É um ótimo termômetro. Costumo, também, logo depois de terminada a sessão, pensar no que - ou se - escreveria algo a respeito. E aí acontece um fato interessante: alguns filmes não me inspiram a falar sobre cinema. E, contraditoriamente, na imensa maioria das vezes, são obras excelentes e muito bem feitas.
Foi exatamente isso que aconteceu depois de Carancho, um show cinematográfico de Pablo Trapero, com o excepcional Ricardo Darin e Martina Gusman, candidatíssimo ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, e uma verdadeira aula de como fazer cinema de qualidade com baixo orçamento. Se ganhar o bi  em Hollywood, não será nenhuma surpresa, apesar do tipo de filme - destes que mostram a violência como ela realmente é - não ser exatamente o estilo preferido da Academia, que, felizmente, tem sido mais eclética nos últimos anos.
Nossos vizinhos Argentinos estão milhares de anos-luz à nossa frente em se tratando da Sétima Arte. Já havia falado isso? Sim, toda vez que vejo um filme dos nossos "hermanos". Eles não somente chegaram a maturidade técnica como também profissionalizaram o cinema. Não tratam essas questões como aventura financeira ou artística, diferentemente de como fazemos aqui.
Além disso, os argumentos escolhidos, na maioria das vezes, são muito pertinentes. Em Abutres (nome em Português), é tratado, de uma forma dura e real, o nosso submundo. Não fala do submundo da máfia russa ou italiana, nem dos traficantes colombianos e muito menos daqueles dos morros cariocas. Não conta nada sobre delinquentes das entranhas do terrorismo e sequer lembra os porões de governos corruptos. Ele fala de algo próximo, de alguém próximo a nós, consumidores de cinema, leitores de resenhas e críticas. Conta o que há de mais baixo em companhias inescrupulosas, em advogados mal intencionados, médicos frágeis e pessoas infelizes que cruzam nossas ruas como zumbis. 
O resultado disso é que ao final do filme não olhei ninguém que estava no cinema. Não observei nenhuma expressão que devia ser de pânico, nojo, medo, ou, melhor ainda, tudo junto. E também não olhei para as letrinhas que ninguém lê. Olhei, sabe-se lá a consequência disso, para dentro.
É natural pensarmos que a classe que representamos, a tribo da qual fazemos parte, seja a melhor. Ou, no mínimo, a menos pior. E defendemos isso, mesmo que inconscientemente, em todos os momentos de nossa vida. A conclusão de tudo (eis a consequência) é a descoberta de que somos ruins. Maus. Pobres em caráter.
Vá ao cinema. E, mesmo se incomodado, fique até o final. Não somente pela última cena que é memorável, uma das melhores que vi nos últimos anos, mas também por todos nós. 
Enfim, preferiria falar sobre cinema.


7 comentários:

Silvares disse...

Fico pleno de curiosidade.

Morcego Vermelho disse...

Gosto muitíssimo de assistir filmes, mas meu conhecimento técnico é, no máximo, identificar uma boa fotografia e uma história bem contada.
E tem muitos filmes brasileiros que fico com a impressão de estar vendo uma tele-novela, ou seja, ao fim do filme parece nada restar.

Anônimo disse...

to com ele aqui faz 3 semanas, e ainda não tive coragem de assistir.
acho que vai ser pesado pro meu momento psicológico haha.

fiz outro blog, beto!
=)

Laura Peixoto disse...

Mas onde tu viu esse filme???
Fiquei morrendo de vontade de assistir. Mas aqui na colônia não passa.... Só passa aqueles vampiros.
abração! Estamos vivos...

Beto Canales disse...

Obs. O filme, infelizmente, não foi indicado ao Oscar.

Ricardo Valente disse...

Cara, to loko pra ver Biutiful e a entrega da estatueta para O Discurso do Rei (10!).

Andreza Caetano disse...

Da próxima vez, ficarei até o final... estou curiosa para saber o que se pode ver (talvez perceber pode ser uma palavra melhor?).
Realmente gosto da sua maneira de escrever!